Articles

A gota d’água que levou ao panelaço contra Bolsonaro

O panelaços contra o Presidente Jair Bolsonaro ontem, dia 17, e hoje, dia 18 de março, surpreenderam até os mais críticos do governo. Alguns deles não acreditavam numa adesão tão grande a essas manifestações, tampouco na antecipação delas em um dia, o que deu a elas um certo caráter espontâneo.

O som das panelas vieram das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, onde se ouviram as mesmas sonoras panelas contra a ex-presidenta Dilma Rousseff em 2015 e 2016. Boa parte de quem saiu a bater panela ontem foi a mesma classe média que bateu panela contra a ex-presidenta naquela época. Hoje, quarta-feira, as mesmas panelas foram ouvidas naquelas cidades, e em Niterói, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Porto Alegre, Natal, Florianópolis, Aracaju, Vitória e, pasmem, Curitiba. Essa classe média é sensível à expectativa econômica, e o somatório de um PIB pequeno, com o derretimento da bolsa brasileira e o dólar batendo 5,20, foram disruptivas para o voto de confiança que eles depositavam no governo até então.

O medo e a ansiedade produzido pela situação de isolamento promovido pela crise do Corona Vírus (COVID-19) foi o estopim para a reação social desse grupo. Essa reação foi agravada pela falta de postura de liderança do presidente frente à crise. Diferente dos Estados Unidos, ao perceber a crise que estava por vir, o presidente Donald Trump mudou a sua narrativa de desdém com o problema, para um enfrentamento direto dele, posicionando-se a frente do processo e antecipando o movimento de outras forças políticas. No Brasil, Bolsonaro deixou tudo à deriva e, ao meu ver, está na esperança de que a crise do Corona Vírus não produzirá maiores impactos. Essa é uma aposta altíssima, que já o está isolando do processo político, e que pode custar o seu mandato.

O fato dele deixar as coisas a deriva, não tomando nenhuma iniciativa contundente frente a crise, também está na limitação da margem de manobra do presidente. Se ele para o país, a economia, que já não vai bem, pode piorar. Acontece que as agências de medição de risco internacionais já preveem depressão para economias emergentes da região por conta dessa crise. Bolsonaro, assim, deve perder o último fio da confiança depositada nele pela classe média que bate panelas, o que levará o seu governo a uma espiral de desastre.

O Brasil está sem um plano arrojado para lidar com a crise. A pessoa mais competente no governo nesse momento é o Ministro da Saúde, Luiz Mandetta, que está tentando implementar, a duras penas, as recomendações da OMS, sendo algumas vezes desrespeitado pelo próprio Presidente. Bolsonaro já começou a cozinhá-lo, pedindo uma postura mais política por parte dele. A postura política, na visão do presidente, é a de inflar a polarização que, em condições normais de temperatura e pressão, foram as que sustentaram o capital político de Bolsonaro. Contudo, nessas situação de crise aguda, essa estratégia só irá acelerar o colapso para o qual esse governo está caminhando.


Esse texto foi inspirado nos comentários que preparei para a matéria de Matheus Lara, no O Estado de S.Paulo: “Para analistas, panelaços são sinal de que Bolsonaro enfraqueceu a própria narrativa“.

Foto: Poder 360/Divulgação.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *