Por Marco Antônio Konopacki para o curso de Relações Internacionais SRI-PT / FES
A década de 1990 foi marcada pelo avanço das políticas neo-liberais e com ela, alguns mitos surgiram para referendar as políticas econômicas de desregulamentação e de reformulação das estruturas estatais. A força do capital transnacional fez com que o mito da eliminação dos Estados-nação em substituição por uma grande “aldeia global” se tornasse a principal bandeira dos governos neo-liberais para implantação de sua política. O ponto de inflexão deste debate está na análise do papel do poder político dos Estados e como este se relaciona com o poder financeiro. A história nos mostra que existe uma relação simbiótica entre essas duas formas de exercer o poder e que o processo neo-liberal fez com que estas veias ficassem aparentes, quando os governos dos Estados periféricos se sujeitaram às grandes reformas neo-liberais como forma integrar seus países ao comércio mundial, mas que no fundo, ampliaram as diferença e a dependência com relação aos países do centrais do capitalismo.
A onda de esquerda que elegeu boa parte dos presidentes latino-americanos a partir de 1998, deixou claro que o poder político dos Estados-nação tem papel preponderante nos ajustes e direcionamentos das economias nacionais na inserção de seus países no processo de globalização, ao contrário do que apregoava o pensamento do Estado mínimo. Neste sentido, é muito importante nos pormos a refletir sobre algumas questões. Qual o verdadeiro papel destes Estados-nação na definição de políticas internas e externas que os levem a busca de melhores condições dentro do cenário internacional? Como estes buscam sua representatividade ou consolidação dentro de um cenário internacional cada vez mais competitivo?
A política internacional sempre foi pautada na relação entre Estados-nacionais que buscavam na troca de mercadorias o principal objeto de sustentação de relações. Na era dos estados colônia, a troca se pautava na compra e venda de produtos primários que sustentaram as revoluções industriais dos países centrais do capitalismo global. Mesmo sendo uma relação colônia metrópole, já se criavam condições para formação de movimentos sociais de independência que buscaram a quebra desta relação para que a venda de seus produtos passasse a ser diversificada e, basicamente pautava sua independência política para determinar as relações econômicas na forma que elas se dariam. Para se ter como referência, na América Latina até o seu processo de industrialização, 88% das riquezas geradas pelas colônias eram exportadas.
Com os movimentos de independência política, as antigas colônias conseguiram formar suas instituições políticas para sua organização, mas não se livraram de sua situação de exportadoras de mercadorias primárias. Nesta época, o acenso de movimentos sociais liderados pelas burguesias locais ocuparam o poder político dos Estados e aplicaram políticas desenvolvimentistas dependentes do capital internacional. No Brasil, temos este movimento muito claro com a revolução de 30 em que acende ao poder Getúlio Vargas e implanta uma ampla política de industrialização, consolidada após a segunda-guerra mundial. Neste momento, o papel do Estado foi fundamental para tal, inclusive para a reforma trabalhista implantada, que lhe garantiu sustentabilidade social durante o período.
Durante esse período, os Estados Unidos procuram consolidar sua posição de influência em toda a América Latina, seja por força militar, seja através do venda de capitais ou, em muito dos casos, das duas formas. Essa característica expansionista é inerente do processo de conquista e acumulação do poder, que é anterior inclusive aos processos de troca do comércio mundial. Este acaba sendo resultado do empoderamento e intensificação do caráter expansionista do capital que se alimenta num círculo virtuoso. O movimento de expansão não é determinado pura e simplesmente do capital, mas sim da necessidade de exercer o poder e expandi-lo sob a pena de ter seu poder reduzido. A passagem da histórica que clarifica este fenômeno está na própria idade media, na qual os impérios feudais, tinham como o movimento de conquista de territórios determinantes para a sua sobrevivência. “A guerra, a moeda e o comércio sempre existiram. A originalidade da Europa, a partir do século XIII, foi a forma que a necessidade de conquista induziu e depois se associou com a necessidade do lucro. Por isso, a origem histórica do capital e o do sistema capitalista europeu é indissociável do poder político” (FIORI, 2007).
Após a segunda-guerra mundial, os Estados Unidos assumiram sua posição de ente hegemon do sistema com a responsabilidade de regular os padrões de trocas comercias em todo o mundo e manter a paridade ouro-dólar. Este período foi caracterizado pela era mais exitosa do capitalismo mundial, com os Estados Unidos liderando o desenvolvimento mundial e o apoio a formação de novos “sócios” que passariam a integrar o comércio mundial. Este movimento é ainda mais intenso devido ao momento da Guerra Fria em que o mundo se encontrava e onde os Estados Unidos tinha identificado seu maior rival, a União Soviética.
Com o final da Guerra Fria, os EUA viveram durante a década de 1990 o gosto de um mundo unilateral em que ele exercia a centralidade militar e monetária na forma de um superestado. A ideologia capitalista havia “vencido” e o final da história chegara. Contudo, neste mesmo período, o número de guerras aumentou exponencialmente e a legislação internacional regrediu rumo a um processo de intensificação das restrições, principalmente para os países da periferia do sistema. Isso foi contra a ideologia realista que acreditava que com a consolidação de um ente hegemônico na sociedade, este seria capaz de solidificar o sistema no caminho de uma superestrutura capaz de regular todas as funções do sistema. Também foi contra a ideologia liberal que preconizava que com a intensificação do comércio mundial, os conflitos entre os Estados não teriam razão de ser porque, com o aprofundamento de suas relações comerciais, os custos de uma guerra trariam desvantagens para o comércio mundial e o aumento de preços globais dos produtos, o que desagradaria as elites sustentadoras dos poderes políticos dos países.
Neste mesmo período que os Estados Unidos experimentaram sua posição unipolar no sistema mundial, coincidentemente, o número de Estados nacionais se multiplicaram num movimento que se deu durante todo o século XX, mas que tiveram sua consolidação neste período. Como explicar esta relação da formação de estados independentes e o processo de “derrubada” das fronteiras das estruturas nacionais com a chegada do neo-liberalismo? Sem dúvida esse sempre foi um mito, que tentou justificar os processos de desregulamentação do sistema financeiro dos países que integraram o grande bloco neo-liberalizante. Na verdade, com a chega do século XX, houve uma universalização e não a morte dos Estados nacionais. Com o “fatiamento” do mundo, ficou muito mais fácil consolidar os “sócios” do sistema, de forma a criar novas estruturas financeiras nacionais em cada uma destas novas peças no tabuleiro do jogo de xadrez mundial. Uma pizza inteira é quase impossível de ser engolida de uma vez só, mas quando esta está fatiada, pode-se degluti-la pedaço a pedaço, mesmo que isso leve mais tempo. Levando-se em consideração, neste caso, a união do poder político com o capital privado nos Estados nacionais a serem conquistados. Inclusive, foi esta união que levou a Europa a ser o centro dominante do mundo e o lugar onde a riqueza mundial começa a se concentrar de forma geométrica a partir do século XVI.
Logo, os Estados nacionais têm na sua forma política força e papel fundamentais para o ordenamento e orientação estratégica para definir os caminhos de suas nações. Mas também, podem ser instrumentos de manobra para implementação de projetos e iniciativas alheias a sua orientação, devido ao fato de o poder econômico estar constantemente influenciado as estruturas políticas do Estado e vice-versa. Essa relação dialética,deve ser estar esclarecida para que o debate não seja equivocado a tal ponto de anularmos a porção política do Estado e decretarmos sua morte através da hegemonia das estruturas econômicas que seriam responsáveis pela nova orientação das nações. A atual crise financeira, inclusive, representa o quão este lado político, esquecido e minimizado durante o processos neo-liberal, agora é tido como importante para salvar instituições financeiras seculares que foram a bancarrota e que agora vêem no Estado a única fonte de salvação.
Aos países periféricos, que até o momento tiveram seu papel político enquanto Estado sub-julgados pelo neo-liberalismo, cabe agora refletir a sua importância enquanto entes ativos na determinação de seus próprios caminhos enquanto nação formada por homens e mulheres que produzem dentro de suas fronteiras as riquezas das nações e caminhar para um projeto que não beneficie a especulação financeira, mas que valoriza o capital produtivo de seus países. Este momento de crise, pode ser uma janela de oportunidade dos países periféricos cobrarem a sua dívida com o capital internacional e reivindicarem uma parcela maior na divisão de riquezas internacionais.
Bibliografia
1.FIORI, José Luís. O poder global. São Paulo: Boitempo, 2007.
1.NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. Elsevier Editora, 2005.
2.WIKIPEDIA. Getúlio Vargas. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Getúlio_Vargas).
Gostei bastante do texto. Acho que o livro “Economia Política do Poder – Volume 1: Fundamentos”, de José Henrique de Faria, pode contribuir bastante com essa questão. Há um capítulo específico que trata da relação entre Estado, capitalismo e globalização. Vale a pena!
O.o vei tu é um konopacki naum acredito achei mais 1 descedente (acho)
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