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A morte da opinião pública como sujeito democrático

Ao longo da década de 2010, a humanidade entrou em uma sala com um ruído ensurdecedor que limitou a sua capacidade de escuta e sufocou suas expressões individuais. O ruído é o resultado de uma desordem informacional brutal provocada por atores que, na disputa da opinião pública, destruíram-na. O que emerge dos destroços é a estupidez coletiva, marcada pela massificação de opiniões sem nenhum compromisso com a racionalidade, e que, se propagada pelo contágio, hipnotizando a multidão agregada pelas novas formas de socialização através da comunicação digital.

A estupidez coletiva é, sem dúvida, a maior ameaça que as democracias do século 21 enfrentam. É um atentado aos imperativos democráticos da liberdade de expressão e do debate livre de ideias. Alguns estudiosos do tema chegaram a imaginar que a desordem informacional possa ser consequência da abundância de expressões facilitada pelas novas tecnologias de informação e comunicação. Nesse caso, ela seria um desafio para o aprimoramento das democracias em acomodar a diversidade de vozes. No entanto, ao observar o fenômeno mais de perto, percebe-se que a desordem informacional, na verdade, é a monocultura intensiva aplicada à disputa da opinião pública.

Campo de conflito sem compromisso ético

Em Multidão, Michael Hardt e Antonio Negri argumentam que a comunicação digital ajudou os já poderosos conglomerados de mídia a concentrarem as poucas fontes de informação e articularem uma opinião pública global, hegemônica. Com ela, é decretada a morte da opinião pública como sujeito político, bem como produtora de subjetividades diversas e identidade social pela conjugação das múltiplas expressões da sociedade. A redução da opinião pública a mero campo de conflito autoriza que sejam utilizadas as armas que forem necessárias em sua disputa, sem qualquer compromisso ético democrático.

Nesse campo, grupos de poder construíram engenhosas estratégias de desinformação para essa disputa. As categorias descritas na psicologia das massas teorizadas por Gustave Le Bon e Sigmund Freud ganharam novas ferramentas e roupagem 100 anos depois. As multidões, agora, não estão mais nas ruas, mas desterritorializadas em um espaço móvel e volátil, cuja fonte de unidade são líderes carismáticos que se dedicam a fazer a política da relevância. 

Ou seja, tais líderes identificam os temas que podem ativar emoções primitivas no público para fortalecer a empatia por eles. Enquanto isso, a análise de grandes volumes de dados pessoais, que permite a personalização em massa através do perfilamento psicométrico da população, encarrega-se de criar o discurso certo, para a pessoa certa, na hora certa, assim mantendo a conexão entre o líder carismático e seu público. A identidade fabricada com o discurso encarrega-se da sugestionabilidade que forma exércitos para o compartilhamento e defesa da propaganda, contribuindo para manter os instintos primitivos pujantes, sobrepondo-se a qualquer tentativa racional de reflexão sobre a realidade.

A estupidez coletiva não pode ser admitida em contextos democráticos. Ela tampouco pode ser entendida como liberdade de expressão de setores da sociedade. Ao se engajar na disputa da opinião pública como campo de conflito, ela não almeja outro objetivo se não a hegemonização desse campo e a supressão da diversidade. Na estupidez coletiva, não há liberdade de expressão, pois a única expressão admitida é a repetição da mensagem uníssona da multidão hipnotizada por seu líder. A estupidez coletiva é um projeto totalitário de subordinação dos indivíduos a comunidades fetichizadas, na qual a racionalidade e a crítica são inimigas imanentes do seu projeto totalizador. 

Carta escrita por Marco Konopacki, sobre estupidez coletiva, e lida durante o workshop do programa Tramas Democráticas, realizado de forma virtual, em 2020.

Original post: https://www.goethe.de/ins/br/pt/kul/sup/trd/21961007.html

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