Como sistemas redundantes, atenção a procedimentos, treinamento e confiança entre a equipe podem mudar organizações humanas.
Marco Konopacki, consultor de projetos de Transformação Digital e Participação Social. Doutor em Ciência Política pela UFMG na área de Inovações Democráticas. Especialista em governo eletrônico pela Syracuse University, NY. Fulbright Humphrey Fellow.
Imagine que um passo em falso te faria cair 8 ou 10 metros, ralando o corpo em uma rocha áspera. Com sorte, você não quebraria nada do corpo e conseguiria sair andando de um lugar a mais ou menos 100 metros do chão, onde somente um fio de corda te sustenta. Essa é uma situação típica da prática de escalada em rocha. Mesmo que possa parecer assustador, acidentes são mais raros do que se possa imaginar. Normalmente, isso se deve a preparo pessoal, o uso do equipamento adequado e o planejamento correto para alcançar o cume da montanha.
Diversas vezes que escalei montanhas, reparei que realizar um projeto de escalada tem muitas semelhanças com a colocação em prática de um objetivo de gestão. Habilidades como liderança, colaboração, automotivação, concentração (foco), percepção de risco, planejamento e controle são fundamentais para alcançar objetivos coletivos. Eventualmente, alguns gestores terão algumas habilidades mais acentuadas que outras. Tornar-se um bom gestor passa pelo ato de harmonizar essas diferentes habilidades.
Quando decidimos escalar uma montanha, existem muitas variáveis que precisam ser equacionadas para se atingir aquele objetivo. A escalada é um esporte coletivo e, para praticá-la, é indispensável que se tenha no mínimo dois praticantes. Para se realizar “uma enfiada” (intento de subir uma rocha, escalando-a), normalmente um dos componentes vai na frente e um segundo dá segurança para esse que é chamado de guia. A cada grampo (gancho fixo na pedra) que o guia “ganha”, o de trás garante que o parceiro da frente cairá o mínimo possível, usando aparelhos de escalada que travam a corda caso uma queda aconteça.
Eventualmente, um acidente pode acontecer, e é nesse momento que as habilidades do gestor (guia) são postos a prova. Adversidades cobram a tomada rápida de decisões. Em casos menos graves, o guia pode cair e ser segurando pela corda sem grandes consequências que afetem a mobilidade da pessoa (a maioria dos acidentes são assim). Porém, imagine como o moral do líder é atingido em uma situação dessas?! Cair por seu próprio erro, ou por alguma falha externa (quebrar um pedaço de pedra em que estava apoiado, por exemplo)… Ficar pendurado pela corda, confiando que o seu parceiro de escalada segurará sua queda, acreditando que o equipamento tem resistência suficiente para não se romper e, ao perceber que você consegue se mover, ainda ter que voltar a escalar? Desistir em uma situação dessas significa tornar a remoção daquele lugar muito mais complexa. E ter que mobilizar recursos muitas vezes não disponíveis ou escassos (bombeiros, helicópteros etc).
Por isso, comprometimento e resiliência são qualidades fundamentais para um escalador que acabam sendo também para os gestores. Situações adversas acontecem quase todos os dias na liderança de organizações e equipes. Poucas delas são tão graves a ponto de destruir a organização ou a coesão da equipe. A resposta da liderança nesse momento é determinante para superar o problema e seguir na perseguição do objetivo. Mesmo que o moral seja afetado, a automotivação do líder tem o papel de elevar a autoestima de toda a equipe, avaliar a situação em conjunto e dar as respostas necessárias às situações. Sair do ponto onde se está sem depender da ajuda externa (quando isso for possível) e saber dosar a necessidade de recursos externos para contornar a situação são vitais para o sucesso das organizações.
Traçando paralelos entre a prática da escalada e a gestão, é possível observar ferramentas e atitudes comuns, como por exemplo:
1) A definição compartilhada de um objetivo (ou dos objetivos): Em uma organização, o planejamento estratégico dá a direção para onde ela vai. Na escalada, os participantes da cordada têm que entrar em acordo com os objetivos e os recursos necessários para realizar a empreitada. Caso ele seja elaborado em conjunto, envolvendo todos os participantes, maior será o engajamento naqueles objetivos.
2) O comprometimento com esse objetivo é o que garante que os escaladores chegarão ao cume: Se alguns dos participantes desistem, a escalada precisa ser cancelada e, caso já tenha sido iniciada, os integrantes precisam descer até o ponto de partida. Isso não quer dizer que não se possa replanejar, mas mesmo no replanejamento é importante o comprometimento dos participantes. Da mesma maneira, ao se traçar objetivos para uma organização, é importante criar formas de engajamento e comprometimento com aqueles objetivos. Se os participantes abandonam os objetivos no meio do caminho, muito provavelmente alguém ficará preso na pedra sem saber como sair dali.
3) O equipamento certo na medida certa trará segurança no caminho que será percorrido: O equipamento deve estar revisado e ser adequado para a situação que se pretende enfrentar. Os usuários desses equipamentos devem saber como utilizá-lo corretamente. Em uma escalada, carregar muito peso pode aumentar o desgaste dos participantes e limitar seus movimentos. Portanto, é importante quantificar o peso dos equipamentos que se irá carregar, adequado as possibilidades que a situação real impõe. Da mesma forma, em uma organização, talvez existam equipamentos de última geração que facilitariam muito os processos, mas essa máquina talvez não caiba nem fisicamente, nem orçamentariamente na organização. Outros equipamentos podem ser mais eficientes e adequados para o objetivo traçado naquele momento, gerando, inclusive, melhores resultados.
4) O treinamento é fundamental para que todos os procedimentos estejam claros e compartilhados entre os participantes: Mesmo que o líder tenha uma responsabilidade maior na condução da escalada, se o participante não conhece os procedimentos de segurança e emergência, o grupo estará em grande perigo. Em uma situação adversa, em que o líder precise contar com o participante para efetuar procedimentos complexos e esse falhar, isso pode custar a vida dos participantes da empreitada. Todo escalador e escaladora são treinados em técnicas de escalada e procedimentos de segurança. Os cursos homologados pelas federações de montanhistas duram em média três meses. Mesmo que nem todos os ensinamentos sejam utilizados em todas as situações, o treinamento adequado é que garantirá a resposta correta às situações extremas. Nas nossas práticas de gestão, isso não é diferente. Organizações que buscam treinar constantemente seus colaboradores são mais resilientes a adversidades externas e permitem maior colaboração interna para resolução de seus problemas.
5) A celebração do objetivo alcançado é parte da construção dos elos que fortalecem cada vez mais a organização: No mundo da escalada, fazemos isso em eventos de confraternização após a conquista de um objetivo. Essas atividades servem para compartilharmos os desafios pessoais que enfrentamos para chegar aonde chegamos. Comparar visões de outras pessoas que passaram por situações parecidas e celebrar nossas conquistas coletivas criam maior empatia e estruturam relações de cumplicidade que geram muitos benefícios para as organizações. No fim, somos organizações humanas sujeitas a todo tipo de entropia do mundo. Nosso diferencial para as máquinas está justamente na valorização da nossa humanidade, que quando em sincronicidade pode realizar os feitos mais extraordinários. Acreditemos nas pessoas e celebremos nossas conquistas.
Da mesma forma que o escalador, um gestor não responde à aleatoriedade do mundo contando apenas com a sua sorte ou suas habilidades individuais. Mesmo que existam gestores que se apoiam nesses elementos para conduzir organizações, contar com a sorte significa abdicar de estar no comando. Por outro lado, depender das habilidades de somente uma pessoa coloca muito peso sobre as ações de um indivíduo que é humano e pode falhar a qualquer momento. Ao falhar, todos falham com ele e, somente se houver muita sorte, a organização se adaptaria rapidamente para contornar a dificuldade. Uma boa gestão/escalada prevê sistemas redundantes de falha, atenção a procedimentos e confiança entre a equipe.
E aí?! Bora escalar? O que você achou desse paralelo entre gestão e escalada?