O debate sobre a Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) mobilizou e reinseriu na pauta política brasileira a busca do exercício do direito a informação e a comunicação, quase como uma continuidade dos trabalhos em torno da 1a Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), uma das principais vitórias dos movimentos sociais no ano de 2009. Contudo, o PNBL está pautando muito mais a discussão sobre o acesso do que a busca pelo direito ao armazenamento e distribuição da informação no meio digital. Neste quesito, mesmo que a internet permita uma comunicação bidirecional e eu possa compartilhar com o mundo conteúdos dentro do meu computador, quem detém os grandes linques de conexão e os grandes servidores ainda são as grandes empresas de telecomunicações e/ou as grandes empresas de difusão de conteúdo, geralmente atreladas também a concessões públicas de rádio difusão (i.e. Globo.com).
O advento e difusão do meio internet, estabelece um novo paradigma para as comunicações. Cada usuário passa a ser além de um consumidor de informações, também um potencial difusor. Para o exercício de consumo das informações, este usuário deve ter o direito e a infraestrutura de acesso a essa informação. Como potencial difusor da informação, este usuário passa também a ter a necessidade de exercer o direito ao armazenamento e distribuição da informação que este gera. Normalmente a própria informação produzida está no próprio computador do gerador. Para difundi-la existem ferramentas que possibilitariam isso, como é o caso das redes P2P, mas mesmo sendo essa uma ferramenta interessante, ela esbarra num problema que é o mesmo problema de se montar um servidor caseiro: disponibilidade. Esta dimensão é determinada não só pela infraestrutura de conexão, mas também elétrica, refrigeração, etc. Ou seja, um servidor pode ser caseiro, mas para que ele garanta um patamar mínimo de disponibilidade, é necessária uma infraestrutura que lhe permita garantir um patamar mínimo de qualidade.
O Plano Nacional de Banda Larga é um passo firme na direção da democratização do acesso a informação, mas para se tonar um passo na ampliação do direito a comunicação, ainda devem ser garantidos alguns itens que as discussões em torno do PNBL devem levantar. O Fórum Brasil Conectado é o nosso “avatar político” nessa disputa e espero que esse texto possa contribuir com os debates em torno desse tema.
Hoje o PNBL prevê que a geração de conteúdo dentro do programa ficará a cargo do Ministério da Cultura e do Ministério da Educação, o que acho uma decisão muito coerente. Falando da parte que conheço um pouco mais, o MinC, percebo que a rede de pontos de cultura estabelecida nessa última gestão do ministério já comprovou que a sociedade civil está produzindo muito conteúdo e, boa parte dele, com altíssimo refinamento estético. Atualmente, grande parte desse conteúdo está caindo em redes privadas de distribuição que inclusive se reservam o direito de alterar o modelo de licenciamento desses materiais e explorá-los comercialmente a partir de vinculação de artefatos publicitários a esses. Estamos falando de redes privadas de distribuição de vídeo online dentre as quais a principal representante é a do YouTube. Para o MinC colaborar com o PNBL fomentando a produção de conteúdo, bastaria continuar com o bom trabalho de oferecer ferramentas para a sociedade civil produzir seu próprio conteúdo com qualidade. Mas quando pensamos onde esse conteúdo produzido irá ser alocado, ainda não temos nenhuma alternativa a não ser as plataformas privadas de vídeo (a principal alternativa hoje de uma ação constituída pela sociedade civil é o portal cultural iTeia: http://www.iteia.org.br. Mas mesmo com todo o esforço para que este seja um instrumento apropriado pelos Pontos de Cultura, ele não deixa de ser um instrumento privado).
Dentro do PNBL o responsável por prover e/ou regular a infraestrutura de telecomunicações é o Ministério das Comunicações. Mas será que este pensa o armazenamento e distribuição dos conteúdo gerados? Se formos resgatar a política favorecedora das elites da comunicação brasileira que este Ministério sinalizou no último período, só aceitando a realização da Conferência de Comunicação mediante muita pressão popular, acredito que a sinalização será a criação de uma grande infraestrutura de acesso aos conteúdos e serviços na internet, mas entendendo esses agentes produtos desse processo como meros consumidores de informação. Reafirmando um mercado em potencial pra os grandes operadores privados do sistema de comunicação brasileiro.
Existem caminhos que podemos apontar para que o PNBL não só fortaleça o direito a ao acesso, mas também o direito a distribuição e alocação das informações produzidas no meio digital. Listo algumas ideias abaixo:
• Regulamentação do serviço profissional de Hospedagem e espaços em Data Center para que este seja um serviço prestado em regime público, com metas para auferir sua qualidade e preço. Neste regime, os provedores poderiam ser obrigados a dispor uma parte da estrutura para uma hospedagem “social” que seria uma espécie de contribuição para a meta de “universalização” do serviço;
• Disponibilização de espaço dentro da banda da rede da RNP, Eletrobrás, Furnas, e outras redes estatais, para disposição pública de uma rede gerida compartilhadamente entre Estado e sociedade civil, sendo que o primeiro entraria com a disponibilização da infraestrutura de distribuição e capital, enquanto a contrapartida da sociedade civil seria a construção e publicação de serviços públicos de disponibilização de conteúdo, como redes sociais, sites não comerciais, serviços de streming não comerciais, mensageiros instantâneos dentre outros serviços criados e ainda por criar;
• Criação de linhas especiais de editais do MCT/MinC/MEC direcionados a Universidades e sociedade civil para desenvolvimento e manutenção dos serviços criados dentro dessa infraestrutura pública;
• Co-incentivo a formação de redes de servidores livres ligados a organizações da sociedade civil e que teriam acesso a infraestrutura pública de distribuição e alocação de conteúdo;
Em outro texto publicado na plataforma da Cultura Digital brasileira (no Blog do Desenvolvimento), eu falei sobre o tema dessa infraestrutura colocando o CulturaDigital como vanguarda nesse processo de construção de uma infraestrutura pública de distribuição e alocação da informação. Na ocasião, citei que este poderia ser o primeiro servidor público da internet brasileira e apontei alguns caminhos técnicos e políticos para construirmos essa possibilidade. Acho que as barreiras técnicas só podem ser rompidas com muita pesquisa e desenvolvimento e são a “parte mais fácil” desse processo, porque está ligado ao que a gente gosta de fazer: hackear sistemas.
Por isso, acho que nosso desafio neste processo é político. Como fazer com que isso se torne uma realidade sem esperar que isso caia de mão beijada pelas mãos do Estado. Como articular a nossa luta política por esse direito? Acho que a prática pode nos ajudar muito a entender e construir caminhos para essa luta. Iniciativas como a rede de servidores livres, o conselho de administração do iTeia (que procura envolver os Pontos de Cultura na gestão do serviço) e o próprio CulturaDigital.br são exercícios para a conquista desses direitos. Mas para que avancemos na construção pública desses serviços também é necessário que o nosso debate avance. Como dar maior caráter de gestão pública ao CulturaDigital.br por exemplo? Como estabelecer um regime de garantias de direitos aos usuários do iTeia, ou selar a aliança entre servidores cooperados numa rede livre de servidores, por exemplo? Quais os princípios que regem a nossa luta? São perguntas sem resposta no momento, mas que o simples exercício de sua busca podem apontar um caminho comum para essa construção e uma efetiva democratização dos meios de comunicação.
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