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Propostas à Conferência Temática da Cultura Digital

No dia 26 de janeiro de 2024 participei da mesa Direito às Artes e Linguagens Digitais na Conferência Temática da Cultura Digital. Abaixo a minha fala sistematizada apresentada na reunião:


Eu poderia começar a minha fala por diversas maneiras. Traçar um panorama histórico sobre a Cultura Digital no mundo e no Brasil, lembrar personagens saudosos que ainda estão entre nós como também aqueles que já se foram, mas isso poderia soar um pouco repetitivo depois de todas as atividades que rolaram por aqui. Por isso, preferi fazer um panorama a partir da minha própria experiência pessoal. Sobre meus primeiros contatos com a cultura digital e como me formei um programador e especialista em softwares livres sem nunca ter entrado numa faculdade de programação.

Meus primeiros contatos com Linux e a programação se deram através de grupos de usuários que se juntavam para compartilhar seus conhecimentos. Quando estava no segundo grau, estudando no CEFET-PR, vi um cartaz e resolvi ir a uma das reuniões convocadas de um grupo de usuários chamado Open System de estudo sobre sistemas livres. Ali conheci amigos que tenho até hoje. A partir dali comecei a participar dos saudosos Fóruns Internacionais de Software Livre (FISLs) e fui conhecendo cada vez mais gente do meio. O principal motor para participar disso tudo foi a minha curiosidade. Que encontrou um terreno fértil nesses diversos espaços de compartilhamento de conhecimento e para os quais pude doar também um pouco de tudo aquilo que eu estava aprendendo.

Em seguida vieram os pontos de cultura e seus kits multimidía. Na visionária percepção do ministro Gilberto Gil, um curioso inveterado sobre aquelas novas tecnologias e que transformou a curiosidade em canção, criamos milhares de home pages com milhares de gigabytes. Criamos jangadas e barcos que velejaram pelo mundo. O reconhecimento da Cultura Digital como política pública encontrou no berço dos Pontos e Pontões de Cultura o seu terreno mais profícuo. Mais uma vez, espaços de convivência e de afeto que aproximaram pessoas para transformar sua curiosidade em conhecimento. Sempre com uma abordagem crítica, incentivávamos produtores culturais a utilizar ferramentas livres para fruição das suas expressões.

Aquela era uma decisão política, construída por centenas de pensadores da Cultura Digital que acreditavam que a soberania informacional era fundamental num contexto de apropriação cultural que se aproximava na década de 2010. E como toda decisão política, sustentar nossas posições sempre foi muito difícil.

Quem já editou um vídeo no cinelerra sabe do que estou falando [risos].

O tempo passou e os diferentes coletivos espalhados pelo Brasil seguiram comprometidos com essas posições políticas. As ferramentas melhoraram. Foram criadas plataformas de grande impacto como a Rede Livre, o iTeia, o Plantaformas, mas a acessão das bigtechs e seus recursos financeiros infinitos criaram uma cultura digital de massas, angariando bilhões de novos usuários que estavam muito mais interessados em seus likes e views do que no aprisionamento de seus conteúdos por plataformas que lucram muito com seus dados. O capitalismo de vigilância tornou essa apropriação ainda mais eficiente. Apropriaram-se de preferências e sentimentos e, com cada vez mais dados, hoje podem até prever a atitude desses indivíduos. A lógica do lucro suplantou a luta pela soberania digital e a consciência crítica se reduziu aos guetos da cultura digital raiz. Esses guardiões guardam consigo os valores que movimentaram milhares ao longo dos anos 2000, mas hoje apenas resistem ao massacre que essa cultura digital de massas impõe pelo fetiche meticulosamente desenhado por suas técnicas psicométricas que alienam quem é enredado nessas plataformas.

Muitos ao longo das atividades falam em nova cultura digital. O próprio vídeo manifesto que foi criado fala em nova cultura digital. Mas para uma nova cultura digital também teremos que pensar em um novo letramento digital, que leve em consideração os desafios que teremos que enfrentar para que sejamos atraentes para a juventude que esta capturada por essas ferramentas.

Na minha última pesquisa sobre dinâmicas de compartilhamento e consumo de informações no ambiente digital, o projeto Hablatam, identificamos cinco eixos fundamentais para garantir o acesso a informação de qualidade. Nosso foco ali era sobre entender as dinâmicas de desinformação e como ela afeta jovens. Contudo, descobrimos muito mais coisas incríveis sobre como os jovens estão vendo esses fenômenos e como estão lidando com ele. Essa foi uma pesquisa nacional com uma etapa quanti que conseguiu dar relevância estatística para os nossos achados.

Os eixos para garantia de acesso à informação de qualidade foram:

  1. Garantir o acesso universal à internet de banda larga nas escolas, em especial, na
    rede pública;
  2. Promover a estruturação de espaços de aprendizagem e sociabilidade que levem
    em conta as necessidades dos jovens em relação à segurança online, linguagem
    adequada e diferenças sociais;
  3. Garantir a qualidade e disponibilidade de acesso a fontes de informação qualificadas e adaptadas à linguagem dos jovens;
  4. Inserir a educação para a mídia (media literacy) e a alfabetização digital nos
    currículos escolares, bem como a capacitação dos educadores para liderar a
    transferência deste conhecimento;
  5. Inserir os jovens no processo de criação e validação destas políticas públicas,
    garantindo sua participação ativa nessas dinâmicas.

Alguns desses eixos parecem muito óbvios para nós, mas eles ainda demandam atenção de políticas públicas que tentem abordar o problema. Acho que a grande oportunidade que temos é que os jovens podem ter sua curiosidade estimulada com abordagens que contribuam para atuarmos nesses problemas.

Com uma abordagem de educação popular a própria juventude pode construir a sua perspectiva de como resolver esses problemas, apropriando-se da cultura digital como ferramenta de emancipação. A partir de diferentes e diversos olhares sobre o problema, a própria juventude pode desenhar essas políticas produzindo, com isso, os conhecimentos necessários para esse enfrentamento. O laboratório de cultura digital, nesse caso, é ponte, e não fim, para que os desenhos dessas políticas sejam reconhecidas e abraçadas pelo Estado. Uma nova cultura digital, incentiva a produção de conhecimento para resolver problemas concretos da juventude brasileira.

É importante destacar a importância dessas dinâmicas se darem de forma coletiva. A distopia narcisista moderna que exalta o indivíduo como o locus exclusivo de sucesso minou a ideia de coletividade para transformação da realidade. Alguém comentou ontem a decepção pela desmobilização do Fórum Social Mundial e a constatação de que as organizações estão fragmentadas, cada uma tentando resolver seus próprios problemas sozinhas. No entanto, um dos eixos da Hablatam revela a importância de espaços coletivos para aprendizagem e sociabilidade. Como lembra o gênio Paulo Freire: ninguém ensina nada a ninguém, mas as pessoas também não aprendem sozinhas. “As pessoas se educam entre si mediadas pelo mundo.” Uma nova cultura digital fomenta espaços de encontro, digitais e presenciais, para o aprendizado coletivo.

A curiosidade sobre descobrir o mundo é que move esses jovens para o aprendizado. Em nossa pesquisa do Hablatam muitos jovens gostariam aprender a programar, desenvolver um jogo, se tornar um hacker, editar vídeos e fotos. Da mesma forma que a minha curiosidade foi alimentada em espaços coletivos com pessoas abertas a compartilhar seus conhecimentos, uma nova cultura digital cria incentivos para participação popular em espaços de aprendizagem.

Para finalizar, eu queria chamar a atenção para questão do componente econômico e da economia criativa. Muitos dos jovens que participaram do projeto viam na cultura digital uma oportunidade de mudar de vida, desenvolvendo habilidades que os permitiram ganhar dinheiro com isso ou mesmo empreender algo na área de tecnologia. Eu sinto uma aura um pouco preconceituosa sobre essa ideia. Eu vejo projetos geniais de startups que contribuem com comunidades de código aberto e que são vistas com desconfiança. Acho que esse modelo de desenvolvimento também deve ser levado em consideração como uma alternativa de desenvolvimento e emancipação no letramento digital. O letramento digital como meio para elaboração de produtos culturais que podem ter os mais diversos formas de valor, inclusive valor econômico, podem também se tornar um fruto legítimo desses aprendizes e trabalhadores da cultura.

Então acho que vale refletirmos que quando falamos de diversidade, também temos que ter em mente a diversidade de ideia, desejos, modos de vida. Quando prezam pela integração com o coletivo e o respeito, todas elas podem ser válidas e devem ser acolhidas de alguma forma.

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