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Quais os limites da mistura explosiva entre políticos e redes sociais [Época]

Em tempos de presidentes tuíteiros e ‘bancadas da selfie’ cada vez maiores, especialistas discutem os limites do comportamento dos políticos nas redes sociais

Daniel Salgado
28/07/2019 – 08:00 / Atualizado em 16/09/2019 – 13:35

É comum que o início de um governo seja marcado por notícias de brigas internas, propostas de decretos, declarações controversas e provocações aos adversários. A grande surpresa do início dessa nova gestão se deu pelo fato de que, desta vez, boa parte dessas confusões generalizadas aconteceram não apenas na imprensa ou nos corredores de Brasília, mas principalmente nas redes sociais.

A começar pelo presidente Jair Bolsonaro, que usa fartamente seus perfis no Twitter, Facebook e Instagram para falar de tudo um pouco aos seus seguidores —  em uma estratégia que, inclusive, impulsionou sua eleição —, os políticos brasileiros parecem decididos em apostar nas redes sociais como ferramenta de trabalho.

Não foi apenas o núcleo duro do governo que adotou a prática. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, já utilizou o Twitter algumas vezes para questionar publicamente falas feitas por Bolsonaro ou membros de seu gabinete.

Os ex-candidatos à Presidência Fernando Haddad, Ciro Gomes e Guilherme Boulos também têm presença ativa na rede.

Até os ministros passaram a chamar a atenção na plataforma. O ministro da Justiça, Sergio Moro, foi um que criou conta na plataforma neste ano e a utiliza com frequência. Damares Alves, dos Direitos Humanos, e Ricardo Salles, do Meio Ambiente, também têm perfis atualizados. Mas, talvez, o primus inter pares seja o ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Debochado, ele polemiza com frequência — o vídeo em que aparece comentando o contingenciamento de gastos de sua pasta enquanto segura um guarda-chuva ao som de uma trilha sonora clássica do cinema despertou a ira de muitos seguidores.

Sua ação mais notória, porém, foi a decisão de bloquear a professora universitária e antropóloga Débora Diniz, a quem chamou de “comunistinha”. A decisão foi contestada, e um grupo de advogadas entrou na Justiça para que o ministro desbloqueasse Diniz.

O argumento era que Weintraub utiliza a plataforma como canal oficial, logo seria direito da professora saber o conteúdo ali veiculado. O caso ainda não teve uma decisão, mas a discussão não é nova: as redes sociais dos políticos deveriam ser reguladas? Elas operam de maneira diferente dos demais usuários? O consenso não existe. Especialistas ouvidos por ÉPOCA deram visões diferentes — e caminhos convergentes — para o tema que também domina o debate político de outros países como os Estados Unidos.

“Não existe nenhuma legislação específica que obrigue uma determinada conduta de um agente público de forma positiva. No entanto, existe um arcabouço principiológico que rege o serviço público. A lei geral traz alguns princípios, entre eles a impessoalidade e a moralidade”, explica Marco Konopacki, coordenador da área de democracia e tecnologia no ITS Rio. Para ele, se trata principalmente dos políticos entenderem que, durante seus mandatos, seus canais de comunicação com o público passam a representar as instituições que ocupam, cada uma com suas regras de comportamento.

“A Presidência é uma instituição maior. Vai além de quem ocupa o cargo. E suas publicações podem gerar consequências do ponto de vista internacional. O que Bolsonaro diz nas redes impacta não só os eleitores, mas uma série de corpos diplomáticos de outros países e representantes da ONU que o seguem”, explica.

Para Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, o controle direto do conteúdo publicado por políticos na rede não deve se tornar uma ação recorrente. Argumentos como quebra de decoro, por exemplo, poderiam abrir precedentes perigosos de decisões puramente políticas, e ameaçar, inclusive a liberdade de expressão do país.

“Uma interpretação extensiva do decoro pode implicar uma possível limitação da linguagem mais ácida, mesmo que ela não seja ilícita. Com isso podemos acabar causando uma padronização na comunicação dos políticos, tornando-a anódina, o que retira a dimensão retórica que faz parte da própria política”, explica o pesquisador.

Ele destaca, porém, que não se trata também de ignorar conteúdos que sejam ilícitos. Caso promovam conteúdos ofensivos e judicialmente puníveis, os políticos estão sujeitos às mesmas regras que nos demais meios de comunicação.

REDE MUNDIAL DE… POLÍTICOS

A mistura explosiva entre políticos e redes sociais não se limita ao Brasil. Com uma das contas mais seguidas no Twitter — são mais de 60 milhões de pessoas —,  o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tuita diariamente desde o início de sua campanha para a Casa Branca, e lá protagonizou incontáveis escândalos.

Mas duas medidas recentes mostraram que a oposição ao americano não está submetida a seus impropérios digitais. Em um caso emblemático recente, os parlamentares americanos decidiram em votação que era possível classificar de racistas os tuítes feitos por Donald Trump para se referir a quatro parlamentares democratas e opositores a seu governo.

Ao longo de 20 tuítes, o presidente americano atacou Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, Ilhan Omar, de Minnesota, Ayanna S. Pressley, de Massachusetts, e Rashida Tlaib, de Michigan, e chegou a dizer que elas deveriam voltar “para ajudar os lugares quebrados e infestados pelo crime de onde vieram”.

E a oposição não é só política. Em decisão inédita, um juiz determinou que Trump não poderia mais bloquear usuários no Twitter, uma prática recorrente. A Corte entendeu que, apesar de Trump utilizar um ‘perfil pessoal’ e não o usuário POTUS (de uso exclusivo do presidente americano), suas publicações anunciam diversos decretos de seu governo. E mesmo que seja possível acessar os tuítes de outras maneiras — por jornais ou acessando o perfil anonimamente —, o bloqueio fere a primeira emenda da Constituição americana.

Jillian York, da Electronic Frontier Foundation, explica que a decisão significa que “membros do governo e agências dos Estados Unidos que têm perfis em redes sociais não podem bloquear usuários ou deletar comentários que discordem com os pontos de vista que eles defendem”. Mas faz uma ressalva: “Isso só vale para discussões por ponto de vista, e não afeta os casos de bloqueio de usuários que fazem spam ou assédio moral”.

Do outro lado da fronteira, um pouco mais ao sul, o México também viveu, recentemente, um caso similar. Por lá, a Justiça determinou que o procurador-geral do estado de Veracruz desbloqueasse um jornalista. A decisão se baseava no fato de que se tratava de um impedimento ao trabalho do repórter, que cobria violações de direitos humanos e a violência no local. Para Veridiana Alimonti, também da Electronic Frontier Foundation, estas são “decisões que estão sendo tomadas aos poucos e muitas vezes caso a caso”.

AS PLATAFORMAS DEVEM INTERVIR?

As publicações dos políticos, porém, não existem no vácuo. Elas são hospedadas por plataformas de redes sociais, que abrigam as plataformas de milhões de usuários a quem essas mensagens — formais e informais — são transmitidas.

Para Brito Cruz, porém, é preciso pensar também no papel desempenhado pela própria concepção dessas plataformas. Em outras palavras, de que maneira as ferramentas das redes sociais influenciam no comportamento de seus usuários. Isso explica, em parte, a frequência de publicações de políticos, suas interações com os demais perfis e até o tom de suas falas: se seguirem o padrão incentivado pela plataforma, a tendência é ser impulsionado pelo sistema para alcançar mais visibilidade.

“Se diz muito isso, de que é uma interação completamente direta, sem mediadores, entre eleitores e políticos. Mas não é possível ignorar o fato de que a interação dos políticos na redes sociais é mediada pelas políticas dessas plataformas e está sujeita a elas. Do contrário, se cria uma visão perigosa de que essas plataformas ‘não agem’ ou são neutras, como se suas escolhas não fossem fundamentadas em valores ou como se não tivessem consequências”, explica Brito Cruz.

Contudo, para os especialistas, o fato de que as redes sociais têm suas próprias regras de uso e comportamento não significa que deva recair sobre ela a responsabilidade do que é ou não publicado por lá. Segundo Alimonti, o Marco Civil da Internet determina que as plataformas só deverão ser responsabilizadas no caso de descumprimento de ordem judicial para retirar um conteúdo específico do ar — o que está alinhado com o entendimento internacional sobre o tema da ONU da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Do contrário, isso poderia levar a “obrigações generalizadas de monitoramento do discurso on-line e incentiva as plataformas a censurarem conteúdo em nome da sua segurança jurídica, e não a partir de uma avaliação detida dos direitos em jogo em determinada postagem”, explica.

“Isso não quer dizer que as plataformas não possam ter e aplicar suas próprias políticas de forma alinhada a direitos humanos. Elas podem e fazem; e o que notamos é que também cometem muitos erros nessa atividade de moderação de conteúdo. É uma atividade complexa, que envolve atenção a contextos e nuances que muitas vezes ferramentas automatizadas não percebem e podem ser difíceis mesmo para uma avaliação humana no volume que elas precisam fazer”.

De sua parte, as próprias empresas têm tomado atitudes sobre as polêmicas políticas em suas plataformas. O Twitter anunciou, recentemente, medidas para tentar limitar esses discursos: agora, perfis oficiais de políticos e representantes públicos poderão ser marcados com um selo. Neles, o aviso será de que se trata de conteúdo “controverso ou que viola as regras da plataforma”, mas será mantido por “interesse público legítimo”.

A decisão foi ao encontro do que o fundador da rede, Jack Dorsey, disse em entrevista ao Huffington Post no final do ano passado ao ser instado sobre como moderar as mensagens publicadas por Donald Trump: “Nós achamos que é importante que o mundo veja como os líderes globais pensam e como agem. E consideramos que a conversa que surge daí é fundamental”.

Original post: https://epoca.globo.com/quais-os-limites-da-mistura-explosiva-entre-politicos-redes-sociais-23829622

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